[Resenha] Passarinha, de Kathryn Erskine

Contrariando o fato de que eu tenho livros de duas bienais atrás que ainda permanecem intocados, corri para ler Passarinha – que comprei nessa última edição do evento – simplesmente porque a capa é linda demais, a sinopse é incrível e minha mãe não parava de ler trechos para mim enquanto ela (que foi quem realmente pagou pelo livro) lia.

Esse livro mexeu tanto comigo e me provocou tantas sensações contraditórias que eu não tenho nem mesmo certeza se algo nessa resenha vai ser aproveitável ou fazer o menor sentido; mas ninguém vai me impedir de tentar.


Passarinha é um livro da escritora americana Kathryn Erskine conta a história de Caitlin, uma menina de 10 anos que tem Síndrome de Asperger (conhecido por muitos erradamente como uma forma branda de autismo, mas que na verdade é apenas da mesma família – Transtornos Globais do Desenvolvimento), após a morte do irmão mais velho durante um “evento Columbine” na escola em que ele estudava.

Ocorre que Devon, o irmão, era o maior protetor e mentor da irmã. Era ele quem ensinava Caitlin como se vestir, falar e se comportar “normalmente”; de forma que, além de lidar com a perda do irmão e a depressão do pai, ela também precisa aprender a se relacionar com o mundo sem ajuda.

Eu acho que não preciso dizer o quão fantástica é essa história, porque a simples narrativa faz isso por mim. A trama soma dois elementos polêmicos e intrigantes (a síndrome de Caitlin e os massacres nas escolas norte-americanas) produzindo um resultado lindo, triste e emocionante – que também consegue ser divertido em vários pontos.

O livro é narrado pela própria protagonista, mas não é algo tão simples como dizer que ela é a narradora e usar verbos na primeira pessoa – em todos os elementos de todas as linhas a autora mostra isso para a gente. Como? Formalmente: na falta de vírgulas (que quando bem usada, como nesse livro, não me irrita), nas letras maiúsculas em lugares inusitados; e também narrativamente: se a narradora tem dificuldade de compreender sentimentos, ela nos dá as descrições, o mundo como ela enxerga, sempre buscando criteriosamente sinais que esclareçam aquilo que ela não consegue entender – e a identificação dos sentimentos fica por nossa conta.

Ao contrário da narrativa fria que alguns podem imaginar ao ler a minha afirmação acima, o efeito é exatamente o oposto. Ao nos entregar uma descrição crua e literal do que está acontecendo, ela consegue nos fazer sentir tudo aquilo com ainda mais intensidade. Ela nos dá o mundo como ela o tem. E eu nem mesmo me aventuro a fazer qualquer comentário sobre a escrita da autora, porque é inconcebível que cada uma daquelas palavras não tenha sido escrita pela Caitlin.

Igual uma bobona que sou, chorei em diversas partes do começo ao fim do livro; mas também ri com frequência, o que tornou a experiência de leitura extraordinariamente mais rica do que se a história fosse concentrada apenas no drama. A incapacidade da narradora de entender sentido figurado (característica do Asperger) proporciona diversos momentos divertidos, assim como suas conversas com Michael (seu amigo da escola, que perdeu a mãe no mesmo incidente que levou Devon). Por tudo isso, Passarinha me deixou com uma sensação melancólica, mas ao mesmo tempo leve.

Comprei o livro em inglês (Mockinbird), porque todas as páginas da obra são tão ricas de jogos de palavras e duplos sentidos, que invariavelmente se perdem na tradução, que eu não conseguia ler uma linha sem me perguntar como será que aquele trecho ou passagem inteligente foi escrito no original. Aproveito esse momento para deixar aqui meus mais sinceros parabéns à tradutora Heloísa, porque a tradução desse livro deve ter sido um processo absurdamente difícil e eu acho que o resultado foi fantástico. E adorei que ela tenha dividido isso com a gente na nota de tradução no começo do livro (não deixem de ler essa parte!).

Depois disso tudo, acho que nem preciso comentar muita coisa sobre os personagens; mas como já falei que “não vou comentar” coisas demais, vou comentar sim – mesmo porque essa resenha também é para quem não leu o livro, e nem tudo pode ser tão evidente quanto eu acho que é.

A Caitlin é maravilhosa. Mesmo que ela não desse qualquer informação sobre si durante o livro todo, a simples escrita seria suficiente para defini-la. É uma das personagens mais completas que eu já vi, simplesmente porque a autora fez um trabalho brilhante mostrando a nós diversos detalhes de sua personalidade para nos dar uma ideia melhor da Síndrome.

Dos demais personagens, nós temos a visão “limitada” que a Caitlin nos dá. “Apesar” disso, acho difícil que qualquer outro livro escrito em primeira pessoa apresente tão bem os personagens secundários. Passarinha permite que a gente enxergue além dos comentários da protagonista, não só pela descrição e detalhes de apresenta, como pelo fato de que nós naturalmente “não confiamos” no julgamento da narradora – fazendo um esforço maior para enxergar o que está por trás.

Quero ressaltar também a presença do Devon que paira sobre grande parte do livro. Ele consegue ser um personagem presente, ainda que esteja morto.

Como previa, creio que tenha me alongado demais nessa resenha. Espero que aqueles que conseguiram chegar até aqui tenham captado um pouco da razão de eu ter me apaixonado tanto esse livro. Palavras são incapazes de definir o significado de Passarinha, e o prêmio que ganhou não podia ser mais merecido (National Book Award, 2010).

Título original: Mockingbird
Autora: Kathryn Erskine
País de origem: EUA
Editora: Valentina
Número de páginas: 224
Ano: 2010
Lançamento no Brasil: 2013

10 comentários:

  1. Já tinha ouvido falar do livro, mas depois da sua resenha estou com muita vontade de lê-lo. A história parece ser muito rica, não sei, mas meus olhos encheram de lágrimas ao ler sua resenha. Não deve ter sido nada fácil para 'Passarinha' (acho que esse deveria ser algum tipo de apelido, não sei)... Vai pra lista de desejados =)

    Beijos, já estou seguindo!
    www.procurei-em-sonhos.com

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    1. Leia, sim, Cássia. Tenho certeza que você não vai se arrepender. Não existe resenha nesse mundo que dê uma ideia do tamanho dessa história!

      Beijos.

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  2. Oi querida!

    Eu segurei o choro boa parte do livro por conta das passagens engraçadinhas da Caitlin (aquela parte do pai do Michael ser ruim em futebol eu explodi de rir), mas lá no final, não me aguentei. É emocionante mesmo. E sentir a dor dela pela perda do irmão é algo que a autora conseguiu fazer com maestria.

    A tradução ficou impecável mesmo, eu que não li em inglês achei isso justamente por ver o que a Heloísa comentou na nota no início do livro. Ficou ótimo. :)

    Beijão pra ti! :***

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    1. Oi, flor! Pois é, fiquei morrendo de vontade de ler os outros livros da autora para saber se é possível que ela escreva tão bem assim ou se ela estava "só" inspirada. Já até escolhi qual quero comprar.

      Também não li em inglês ainda. Ainda não chegou :( Mas estou muito ansiosa porque acho que vai ser uma experiência completamente diferente.

      Beijos!

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  3. Paloma, já li maravilhas sobre o livro e a sua resenha aumentou a minha curiosidade. Imagino que vou me emocionar muito com a história! Realmente é capa está um primor... Assim que eu terminar de ler Fale! vou comprar esse.

    Abraços, Isabela.
    www.universodosleitores.com

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    1. Isabela, estou com Fale! na minha estante também e planejo ler logo, mas estou com um certo receio. Acho que vou pegar assim que terminar de ler o que estou lendo agora. Assim é bom que nós podemos trocar experiências!

      Abraços.

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  4. Muito obrigada pelos elogios, Fran. E você não sabe como fico feliz quando alguém diz que gostou do blog!

    Os prêmios que o livro ganhou são realmente merecidos.

    Beijos.

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  5. Eu nunca tinha ouvido falar desse livro, o que foi bom; não estraguei minha mente lendo resenhas mal escritas, mas tomei conhecimento pela sua, que está uma maravilha =)

    De alguma forma, pelo que você escreveu, me lembrei de "Precisamos Falar sobre Kevin". Eu não li esse livro, mas meu marido sim, e ele elogia horrores. Mas não consigo; esses livros que falam sobre os atiradores e afins me deixam com um nervosismo incontrolável, do tipo que não me deixa ler.

    O que chega a ser estranho, pois eu até curto livros de não ficção; eu realmente leio de tudo: de romances de banca de jornal à clássicos. Mas tem temas que se tornam bem inviáveis pra mim, como os dos atiradores.

    No entanto, a forma como você descreveu "Passarinha" realmente me despertou a vontade de ler, independente dos temas que ele envolva. Com certeza vai para a minha lista ^^

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    1. Ize, também não li "Precisamos falar sobre Kevin", mas morro de vontade, apesar de o tema também me dar um pouco de aflição. Pode ler "Passarinha" sem medo, porque o Devon não é o atirador, é só um dos alunos que são assassinados no massacre. O livro nem trata do evento em si, só das consequências.

      De qualquer forma, espero que goste se/quando ler, viu?

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  6. Paloma e Raquel: muito obrigada, de coração. A história dessa tradução foi única. Eu fiquei tão totalmente encantada pela Caitlin, como se fosse minha própria filha, que mergulhei na tradução antes de o copyright ser comprado. Traduzi à mão, num caderno, artesanalmente, como achei que ele merecia. Fiquei com o cotovelo ferido de tanto fincá-lo no sofá, rsrs. Fico tão feliz de ver a Caitlin sendo amada como merece, e gravando sua mensagem no coração das pessoas... Muito obrigada. Heloisa

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