[Resenha] A Sombra da Guilhotina, de Hilary Mantel

Depois de quase dois meses lendo esse, que se tornou meu livro favorito da vida, finalmente chegou a hora de dividir minha opinião com o mundo. Espero realmente que vocês leiam e que eu consiga passar o quanto realmente essa história se tornou especial para mim.

"O mais perfeito romance já escrito sobre a Revolução Francesa"


- Ficha técnica
Título original: A Place of Greater Safety
País de origem: Reino Unido
Autor(a): Hilary Mantel
Editora: Record
Ano (da primeira publicação): 1992
Número de páginas: 782
Leia a sinopse do livro aqui.

A Sombra da Guilhotina é um romance histórico iniciado na década de 70 e concluído em 1992 por Hilary Mantel.


O livro conta a história da Revolução Francesa com ênfase em três personagens principais: Maximilien Roberpierre, Camille Desmoulins e Jean-Jaques Danton.

A autora trata de forma brilhante de um período histórico tão complexo. Para contextualizar a narrativa, ela nos mostra o nascimento de cada um dos protagonistas e os principais acontecimentos na primeira infância que já deixavam claras as características mais marcantes de cada um na idade adulta, nos dá um relance rápido da adolescência dos três, passando por suas carreiras comuns como advogados no tenso período pré-revolucionário até chegar à revolução em si - que ocupa logicamente a maior parte das 782 páginas - e ao papel de cada um durante o período.

Vale ressaltar, como a própria Mantel já esclarece na nota inicial, que muito pouco é realmente conhecido pela história sobre a vida de Robespierre, Camille e Danton antes da revolução, portanto grande parte da história pode ser considerada "imaginação" da autora; coisa em que eu me recuso a acreditar, porque se uma pessoa só pudesse ter tanta criatividade, o resto de nós estaria completamente perdido.

A frase ressaltada acima da ficha técnica está já na capa do livro e poderia muito bem ser considerada uma bela estratégia de marketing e nada mais, mas no fim das contas eu concordei totalmente com ela. Talvez não no sentido histórico, porque eu reconheço que isso eu não tenho a menor qualificação para julgar; mas como romance propriamente dito é absolutamente inigualável.

A revolução não é apenas o contexto, é a trama em si - espero que vocês entendam a diferença. O livro inteiro é uma dança complexa que guia o destino dos personagens, como se tudo já estivesse traçado antes do nascimento deles. Ao mesmo tempo, a autora não cai na simples "romanciação" dos fatos históricos, mas reconstrói esses fatos a partir das ações e diálogos dos próprios personagens, o que dá uma consistência incrível à história.

A escrita da Hilary Mantel é absurdamente maravilhosa. Por meio de mudanças bruscas no estilo - alterando frequentemente da narração em primeira pessoa para a narração em terceira, usando citações absolutamente pertinentes dos personagens [citações reais - históricas!], apresenta dados econômicos, políticos e sociais que inserem o leitor no contexto da época [as informações sobre o preço do pão não são meras curiosidades aleatórias] e, nos momentos de debates em que uma descrição em proza poderia ficar cansativa, ela espertamente escreve em forma de roteiro, o que dá uma dinâmica incrível à cena - ela impede que o leitor se canse.

Todas as personagens (que são muitas - a autora apresenta até um catálogo de 5 páginas no começo do livro) realmente existiram, mas a autora conseguiu criar personalidades únicas e fantasticamente reais e críveis para todas.

Cada um dos três personagens principais tem também sua característica marcante que nunca é deixada de lado. Camille (o mais adorável) é ingênuo e infantil, e isso se põe de forma incontestável, ainda com a participação dele nos acontecimentos e com a "depravação sexual" (que é facilmente relevada); Danton é fanfarrão e orgulhoso, além de extremamente ambicioso; e Robespierre, o Incorruptível, é vítima da própria vaidade, mas na maior parte da história ele me passou uma impressão de pureza (até que ele me decepciona mortalmente e perde o posto de meu personagem favorito, mas a Hilary não tem culpa disso).

Das personagens secundárias existem duas que eu destaco: uma é Lucile, esposa do Camille, que tem uma "bilateralidade" marcante - fútil e volúvel por fora, mas por dentro (o que se demonstra bem no começo e no final do livro) ela se mostra observadora e inteligente, entendendo a situação melhor do que muitos outros, apesar da sua posição feminina marginalizada.

A segunda é Gabrielle, esposa de Danton, que eu considero a personagem que mais se desenvolve ao longo do livro, ao ponto de ser quase impossível reconhecer na Mme. Danton de 1993 a Mlle. Charpentier de 1789.

São as personagens femininas que prenunciam durante todo o livro o terror que vai se instalar definitivamente na última parte. Falando em partes: o livro é dividido em cinco partes, uma representando a infância, uma o período pré-revolucionário e uma para cada uma das fases da revolução identificadas pelos historiadores.

A autora também superou de forma muito interessante o contraponto clássico entre Danton e Robespierre com uma solução engenhosa: colocando Camille no meio como denominador comum.

Detalhes mais técnicos à parte, eu preciso muito ressaltar o quanto esse livro mexeu comigo. Me apaixonei perdidamente por ele e meu coração ainda está doendo por ter terminado (e pela forma como terminou).

No começo da história, eu senti uma depressão inexplicável. Mas à medida que o livro avança, todas as personagens, a história e a forma como ela é contada, e o ponto de vista novo daquela velha história que a gente aprende de forma tão resumida e fria na escola, evoluem de uma forma que me transportou para dentro da trama, e eu sinto que ainda estou presa lá dentro.

Durante as "duas revoluções" propriamente ditas (a queda da Bastilha em 1789 e 10 de agosto de 1993), a gente se sente literalmente no meio do caos. Não existe uma descrição distante e objetiva; existem cabeças sendo cortadas, corpos mutilados e sangue por todo o lado, e você está no meio, não existe racionalidade ali. Dá para sentir o ritmo do livro aumentar ou diminuir na medida da intensidade dos acontecimentos.

Chegando às últimas 200 páginas, já comecei a sentir aquela velha depressão, mas a um nível extremo. Quando finalmente terminei a última página, no ônibus, foi uma luta segurar as lágrimas e eu precisei ficar abraçada com o livro por vários minutos esperando o meu coração parar de doer. E é isso que esse livro faz com o leitor.

Apesar da beleza e da perfeita adequação da capa (a imagem é o quadro A tomada da Bastilha, de Jean Pierre Houël), fiquei com a impressão de que ela não fez jus à grandeza do conteúdo do livro. A edição em inglês, em que a capa é composta por retratos reais de Robespierre, Camille e Danton me agradou mais. O título em inglês também me passou um senso maior de profundidade e um significado mais marcante que o em português, mas infelizmente não vejo como essa sensação poderia ser traduzida.

A edição em geral está bem legal, mas em função do enorme número de páginas eu tive um pouco de dificuldade de ler próximo ao miolo do livro, uma margem maior facilitaria a leitura.

Apesar de tudo, devo alertar que o livro é uma leitura lenta e deve ser apreciado como tal. Não que um leitor não possa ler o dia inteiro e acabar o livro em uma semana, mas tentar apressar o ritmo em que as palavras fluem pode ser fatal.

Infelizmente esse livro atualmente está em falta até na editora (e também custa uma verdadeira fortuna), mas quem realmente estiver interessado pode comprar no site da Estante Virtual. Nunca comprei pelo site, mas já me disseram que é confiável, e vocês podem ver dicas da Pam, do Garota It, de como comprar no site aqui.

A pressão das expectativas alheias força-o cada vez mais a um pouco de tato, a uma resposta suave; não é fácil comportar-se como o bom menino que ele sempre foi. - páginas 130.

- Oh, nós não temos mais "meras mulheres". Na semana passada seus dois genros em perspectiva me derrotaram em uma discussão. Disseram que  as mulheres são iguais aos homens sob todos os aspectos. Só estão esperando uma oportunidade. - página 184.

- Ah, Camille d'Églantine - disse Robespierre em tom de zombaria. - Ninguém está interessado em sua pontuação, só em seu conteúdo.
- É fácil ver por que você nunca ganhará um prêmio literário. - página 687
.

5 comentários:

  1. Te confesso que nunca escutei falar nesse livro, mas parei para prestar atenção na resenha quando li que é seu livro favorito.
    Bom, eu gosto de romances históricos, mas leio menos do que gostaria.
    A resenha está apaixonante, percebe-se o quanto a leitura te envolveu e claro, diante de uma opinião assim não dá pra simplesmente deixar passar em branco rs

    Não é algo que farei no momento, pois estou com muita leitura atrasada e o livro é imenso, mas deixarei na lista de desejados e espero ter a oportunidade de ler.

    Bjs,
    Kel
    www.itcultura.com.br

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  2. Olá! Td na paz de Deus? Espero que esteja! Primeiramente: Uau! 782 páginas? Como conseguiu? HAha, to brincando. Enquanto leio sua resenha percebo como sua opinião e o livro é verdadeiro, sabe? Me pareceu uma história super original bem construído. Nunca tinha visto sobre esse livro,e olha que e´da galera, hein? Vou ver se leio ele.
    Beijocas! Fique com Deus!
    http://hey-mygod.blogspot.com.br/

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  3. Nunca tinha ouvido falar nesse livro.
    Já me chamou a atenção quando você disse que conta a história da Revolução Francesa. Eu adoro história e todos os livros com essa temática me interessam.
    Adorei a resenha. Deu pra perceber o quanto você gostou do livro e eu fiquei mais interessada na história.
    MAs aí no fim você diz que está em falta e já me desanimou. Achei caro o preço mesmo na Estante Virtual.
    Enfim, quem sabe mais pra frente quando sobrar um dinheiro eu compro. De qualquer forma vou deixar na lista de desejados.
    Bjo

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  4. Oi, vc me deu um marcador na bienal e vim visitar seu blog! É lindo! Parabéns. Adorei essa resenha, adoro história e estudar sobre a Revolução Francesa era minha parte favorita. Obrigada pela dica desse livro. Beijos

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  5. Estou terminando de ler agora e também fascinado. Está ser tornando o livro ou um dos livros preferidos da minha vida. É de fato fabuloso. A Revolução Francesa me intriga e, ao mesmo tempo, me encanta. Li também uma muito agradável biografia de Robespierre chamada "Pureza fatal", de Ruth Scurr. Recomendo também. Parabéns pela resenha.

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