[Resenha] Lugar Nenhum, de Neil Gaiman

A resenha de hoje é de um dos livros que eu mais demorei para ler nessa vida. Sem brincadeira, nunca um livro de 331 foi protelado por tanto tempo na história; mas antes tarde do que nunca, chegou resenha. Vamos nessa?


"Richard não estava morto. Estava no escuro, em uma saliência ao lado de uma boca de lobo, pensando no que fazer, se seria possível ficar numa situação ainda pior do que aquela. Sua vida até aquele momento o tinha preparado para ter um emprego no mercado financeiro, fazer compras no supermercado, assistir ao jogo de futebol na TV nos fins de semana, girar o termostato do aquecedor caso ficasse frio - mas com certeza não para ser uma não pessoa, habitando os telhados e os esgotos de Londres, e para uma vida no frio, na umidade, no escuro." - página 118.

Lugar Nenhum é um livro de fantasia do escritor Neil Gaiman, lançado inicialmente em 1996, na forma de uma série do canal inglês BBC. Apenas foi lançado no Brasil em forma de livro mais de 10 anos depois.

O livro conta a história de Richard Mayhew, um escocês normal que se muda para Londres (de cima) e tem um apartamento, uma noiva, um emprego e um melhor amigo. Tudo muito normal. Isso, claro, até o dia em que ele se depara no meio da rua com uma moça ferida e, resolvido a ajudá-la, acaba perdendo sua própria vida e sendo forçado a se mudar para a bizarra Londres de baixo e ajudar Door (a moça) em sua busca pela identidade do assassino de sua família.

Eu estava fuçando uma promoção no Submarino um tempo atrás quando, de repente, dei de cara com a capa linda desse livro, que foi a primeira coisa que me interessou. Li a sinopse, e a premissa era tão legal que me fez colocar um exemplar (edição econômica - bem simples e sem orelhas) desse livro junto com alguns outros que já estavam se acumulando no meu carrinho.

Lugar Nenhum ficou um bom tempo na minha estante esperando a sua vez, até que uma amiga minha comentou várias coisas positivas sobre o autor, e eu resolvi dar uma chance para ele. Interrompi e retomei a leitura diversas vezes, passando outros livros na frente, em parte porque eu estava em um mal momento literário, em parte porque a princípio o livro não me envolveu e eu tive a impressão que nada de fato tinha acontecido até a página 70.

Voltei para ele depois de terminar A Sombra da Guilhotina, decidida a ir até o fim. Então, lá pela metade do livro, a leitura finalmente começou a me empolgar. No fim, acabei pega pelas reviravoltas na trama e ansiosa para saber como a história terminaria.

A história é narrada em terceira pessoa e a escrita do Neil é bem rápida e fluída (pelo menos até onde se estendem meus conhecimentos, deixando bem claro que esse é o primeiro livro que eu leio do autor).

Com uma imaginação de dar inveja e ótimas descrições, o autor parte de observações cotidianas da vida na capital da Inglaterra e nos transporta para o mundo das "pessoas invisíveis" - mendigos e seres marginalizados que os habitantes da Londres de Cima na maior parte das vezes não enxergam -, formado por tubulações, esgotos e túneis subterrâneos, além de lugares esquecidos de Londres.

Um ponto muito positivo no livro são as diversas referências e curiosidades históricas que ele traz. Imagino que a leitura deva ser ainda mais prazerosa em inglês e para aqueles que têm um conhecimento maior da geografia da cidade. Aprendi bastante também sobre a história da cidade e de alguns prédios dela.

No outro polo, não achei a história tão surpreendente quanto poderia ser, considerando a quantidade e o nível das reviravoltas que existem na trama. Quando os fatos decisivos se aproximavam, o autor já dava pistas que levavam o leitor mais atento a deduzir o que aconteceria mais à frente. E isso me frustrou.

Sentimentalmente falando, eu gostei das personagens, mas achei que nenhuma delas tinha uma profundidade muito grande. Acredito que o motivo possa ser o fato de a história ter sido feita para a televisão, onde o carisma e a interpretação do ator também integram as personagens. O Marques de Carabas, por exemplo, tinha muito potencial para ser explorado, como a dívida dele com Lord Porticus (pai da Door), que ficou apenas subentendida na história.

Faltou também um desfecho decente para Hunter, já que o fim da história dela ficou um tanto no ar.

Contudo-entretanto-todavia, fazendo uma análise geral, achei o livro bem satisfatório e gostei da escrita do Neil. Faltou ressaltar que, como o autor é ilustrador, a história toda é bastante visual - ele dá elementos para que os leitores criem uma imagem mental bem vívida do que está acontecendo - e eu achei esse elemento muito interessante.

Estou com vontade de de ler "Os Filhos de Anansi" (Anansi Boys, de preferência em inglês), para continuar essa viagem pelo mundo imaginário do Neil. Fãs do autor, o que acham disso?

"Richard tentou se lembrar de como costumava achar as coisas. Primeiro, esvaziou ao máximo seus pensamentos. Depois deixou seu olhar percorrer o pântano, vagando sem objetivo. Viu algo brilhando na superfície enlameada, à sua esquerda, a quase dois metros de distância. Era a estatueta." - página 278.

Título original: Neverwhere
Autor: Neil Gaiman
Editora: Conrad
Número de páginas: 331
Ano: 2010
Skoob - Compre mais barato - Saraiva

5 comentários:

  1. Adoro livros sobre fantasia. Ainda não li nada do escritor, mas todos os comentários que vejo são positivos! Estou curiosa...

    Abraços, Isabela.

    www.universodosleitores.blogspot.com.br

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  2. Também foi o primeiro livro dele que eu li. Eu gostei, mas assim como tu, achei os personagens rasos, me frustrei um pouco, mas fiquei admirada com a criatividade e imaginação do autor!
    Também comprei pela Submarino. hahahaha
    Beijo!

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  3. Eu estou cheia de vontade de ler algo do Neil Gaiman, já rodei várias vezes a lista de livros dele no skoob. Mas acho que não é uma boa começar por esse, né? hihi
    Sua resenha está ótima, vdd :)

    Beijo

    Ariel Cristina
    http://veraodenoventaequatro.blogspot.com.br/

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  4. Adoro Neil Gaiman! Eu acho que me incomodei um pouco com os personagens tb, mas como você disse, a imaginação e criatividade dele ultrapassa qualquer expectativa! Não tem como não se enveredar por aquelas ruelas e aqueles prédios estranhos e desconhecidos, juntamente com os personagens! *.*

    Sobre a proxima leitura, ainda não li Filhos de Anansi, mas dizem que é 'continuação' de Deuses Americanos... Meu namorado leu Filhos de Anansi e nao gostou tanto... E Deuses Americanos é muito bom! Tb, muita criatividade, mas ele gasta mais tempo com as personalidades dos personagens! Acho que indicaria esse para proxima leitura! =D

    Boa resenha, comentou bastante coisas sem dar spoiler! \o
    http://falaurupes.blogspot.com.br/

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  5. Palomita, fiquei com vontade de ler esse também, adorei sua resenha!
    Eu li "O oceano no fim do caminho", você deve ter visto a resenha lá no blog. Foi o meu primeiro e único por enquanto do Neil Gaiman, mas isso logo vai mudar, porque a escrita dele é mesmo muito boa!
    Beijos!

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